Global Forum - Fronteiras da saúde

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Global Forum - Fronteiras da Saúde discute sustentabilidade da saúde pública e privada

Evento realizado pelo Instituto Lado a Lado pela Vida reúne diversos players durante dois dias e busca soluções para o financiamento da área. Foto: Panóptica Multimídia

Redação LAL* - A sustentabilidade da saúde é algo que precisa ser discutido por todos os envolvidos, sejam eles, profissionais de saúde, farmacêuticas, empresas, instituições de pacientes e população em geral. O Global Forum - Fronteiras da Saúde, iniciativa do Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), com parceria estratégica da Prospectiva, reuniu todos esses atores durante dois dias em São Paulo para pensar lado a lado como é possível financiar a saúde pública e suplementar, garantindo para os brasileiros um atendimento de qualidade.

Em seu discurso de abertura do evento, a presidente do LAL, Marlene Oliveira, enfatizou a importância de todos estarem unidos para mudar a saúde do brasileiro. "O caminho percorrido até aqui não foi fácil. Muito se fala sobre a sustentabilidade da Saúde. O Global Forum é um convite para estarmos lado a lado nesse propósito de compartilhamento, de conhecimento e de ousadia", afirmou. Ana Amélia Lemos, secretária de Relações Federativas do Rio Grande do Sul, e Paulo Socha, chefe de gabinete do senador Izalci Lucas, também participaram da abertura do Global Forum. Durante o primeiro dia do evento (3.10), o sistema público e privado, o papel da tecnologia, a qualidade do atendimento e cases internacionais foram os temas discutidos pelos palestrantes nacionais e internacionais.

O primeiro painel "Sistema público e privado em países desenvolvidos e em desenvolvimento: a saúde na quarta revolução industrial" teve a participação dos palestrantes internacionais Edson Correia Araújo, economista do Banco Mundial, François Uwinkind, diretor de oncologia do Rwanda Biomedical Cancer, e Nina Pinwill, da Diretoria de Medicamentos Comerciais do NHS England e do NHS Innovation. O moderador Marcelo Caldeira Pedroso, coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos no setor da saúde da FEA/USP, iniciou as discussões perguntando se a saúde está vivendo uma quarta revolução industrial.

Para o economista Edson Correia Araújo, a resposta é relativa. "Estamos na quarta revolução quando consideramos o uso de tecnologia com big data e algoritmos. Mas por outro lado, o acesso não é igualitário. Ele é inclusive um desafio em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, que é o país que mais faz uso das tecnologias em saúde, mas ainda mantém cerca de 15% da população sem acesso à saúde. Não estamos na quarta revolução porque o acesso às tecnologias não é igual para todos", afirmou Edson. Segundo ele, a adoção de tecnologias no Brasil é mais complexa devido às características do sistema e da falta de definição de critérios claros sobre o que é sustentável em saúde pública. "É necessário ampliar a discussão da atuação conjunta, entre público e privado, para ofertar serviços de qualidade para a população", colocou o economista.

A participação de Nina Pinwill, diretora do NHS, trouxe a experiência do Reino Unido para o debate. As tecnologias como inteligência artificial e big data dão grande suporte aos serviços de saúde do país, que é um tópico visto e pensado politicamente por lá. "Nosso ministro da Saúde é um grande defensor da tecnologia para o sistema de saúde. Hoje o NHS, é o maior empregador no Reino Unido. São mais de 6 milhões de pessoas trabalhando nele. O NHS é como uma religião para nós", destacou. Os desafios com o câncer, doenças cardiovasculares e saúde mental são oferecer equidade, a exemplo também do Brasil. É primordial que a população seja coparticipante do processo de inovação para que o Sistema se sustente e esse foco deve ser o de prover acesso e reduzir custos. Um exemplo da necessidade da inovação é o suprimento de medicamentos, onde se gasta muito tempo pensando em formas disruptivas para atuar. "Estamos tentando criar novas formas de trabalho para trazer a tecnologia para o NHS, que é atualmente fragmentado, mas bem organizado em cada área e região. Mas não como um sistema único", afirmou Nina.

O envolvimento da população nas campanhas e estratégias da área de saúde ganhou mais destaque com a participação de François Uwinkindi, coordenador do Ruanda Biomedical Cancer. A região africana ainda está passando pela transição epidemiológico das doenças infecciosas para as doenças crônicas não transmissíveis. Segundo o médico, que já trabalhou no Programa Nacional de Controle do HIV e hoje coordena o programa de prevenção e controle do câncer, o foco em Ruanda passou paulatinamente da infecção por HIV para questões como os cânceres de mama e colo de útero - o mais prevalente no país-, mas o país ainda precisa atuar em relação à pneumonia, tuberculose e o diabetes.

A prevenção foi colocada pelo médico como uma forma para transformar o sistema, usando para isso iniciativas diferentes para envolver a comunidade e promover a saúde. "Nosso exemplo é a vacinação contra HPV, que iniciou em 2011 e tem grande cobertura, e reduziu a incidência de câncer de colo de útero no país. Hoje nossa cobertura vacinal chega a 94%. Agora nossa meta é o rastreio dos casos, usando estratégias também de diagnóstico mais baratas e também a inteligência artificial", contou.

Sistemas Público e Privado

A discussão da manhã do primeiro dia do Global Forum continuou com os limites e possibilidades do papel do setor público e privado na saúde. Com moderação de Fernando Mussa Abujamra Aith, diretor geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa-USP), o painel teve a participação de Claudio Lottenberg, chairman do UnitedHealth Group Brasil, Leandro Fonseca da Silva, diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Edson Correia Araújo, economista sênior do Banco Mundial, e Eduardo Ferreira Santana, mestre em política, planejamento e gestão da saúde pela UNIFESP e consultor em Inovação em Saúde. Os palestrantes levantaram questões como a transformação digital na saúde e seu impacto na qualidade e segurança da assistência à saúde, bem como, na força de trabalho. O modelo de remuneração também permeou as discussões envolvendo os investimentos em atenção primária, a desvinculação orçamentária da saúde e a judicialização.

Para Claudio Lottenberg, o setor precisa de uma transformação digital, bem como, a ampliação do uso da telemedicina como recurso para levar assistência de qualidade aos locais em que os médicos não chegam ou não existem. O chairman do UnitedHealth Group Brasil destacou em sua fala que, ao contrário do que muitos imaginam, a saúde pública no Brasil não é gratuita, mas sim, um direito social que é financiado pela arrecadação tributária. "Daí a necessidade de colocar o paciente no centro da atenção e engajá-lo a ser coparticipante na gestão de sua própria saúde. Precisamos construir uma teia tecnológica e apropriar o sistema das melhores ferramentas do mundo digital que nos permita ter um banco de dados eficiente e seguro, contribuindo para aprimorar a gestão do sistema por meio de uma medicina preditiva e cada vez mais personalizada", disse o executivo que também é médico oftalmologista.

 

Lottenberg usou o exemplo da Catalunha, onde o setor privado oferece à população planos ambulatoriais de saúde a preços acessíveis e que desoneram o sistema público, como uma forma de flexibilização regulatória, que poderia ser adotada no país para que o setor privado possa exercer de forma mais eficaz o seu papel de ator suplementar ao SUS.  "Ainda enxergamos a saúde sob a ótica da assistência e deixamos de ver a força que o setor possui para gerar emprego, especialmente no serviço público. Temos de investir na formação médica, dando aos novos profissionais uma visão de liderança estratégica", destacou.

O economista Edson Correia Araújo reforçou a mensagem de que a saúde é um bem público e para alcançar eficiência e se tornar sustentável, precisa passar por um processo de racionalização do acesso e da provisão de recursos, que é impactado por mecanismos explícitos e implícitos ao sistema. "Desde 2008, temos discutido no Banco Mundial a necessidade de uma maior integração entre os setores público e privado, que atualmente competem entre si. Precisamos pensar em formas alternativas de prover assistência onde realmente há necessidade social à saúde, por exemplo, utilizando enfermeiros com foco em atenção primária", sugeriu o economista.

Já Eduardo Ferreira Santana destacou que para termos um futuro eficaz e sustentável do sistema de saúde é preciso, mais que implementar estratégias e tecnologias sofisticadas, pensar em pessoas e estimular o empreendedorismo em saúde. "Tudo passa por pessoas, por isso, precisamos incentivá-las a compreenderem o sistema de saúde e o papel de cada um para melhoria desse sistema. Se isso não for feito, tanto o setor público como o privado sofrerão os prejuízos", ponderou o consultor.

A segurança jurídica também fez parte das discussões do painel "O papel do setor público e privado nos sistemas de saúde: limites e possibilidades". Segundo o diretor-presidente da ANS, a insegurança jurídica é um dos grandes fatores limitantes para que o sistema opere de forma mais integrada e os níveis de desperdício e ineficácia sejam reduzidos. Segundo ele, apesar de haver uma regulamentação para comercialização de planos ambulatoriais, que oferecem uma solução acessível e de qualidade em atenção primária para a maioria da população brasileira, as operadoras de saúde preferem investir nos planos que oferecem cobertura hospitalar e, portanto, mais caros. "As operadoras não comercializam porque se o indivíduo que tem um plano ambulatorial precisar de internação hospitalar, juridicamente a obrigação de conseguir para ele uma vaga no SUS é da operadora", explicou Leandro.

O diretor da ANS salientou que é fundamental pensar e buscar aprimorar o marco regulatório que prevê a integração dos sistemas público e privado de saúde, permitindo uma trajetória mais fluida do paciente entre ambos.  "Precisamos do setor privado atuante e com entregas de qualidade, mas precisamos de mais segurança jurídica que permita ao sistema tornar-se mais sustentável", finalizou.

O primeiro dia do Global Forum - Fronteiras da Saúde continuou durante o período da tarde com discussões sobre o papel da tecnologia em um processo de mudanças, como oferecer atendimento e tratamento de qualidade e ainda fechar a conta dos serviços de saúde e cases internacionais.

*Bia Rodrigues, Silvana Cordeiro e Mirtes Bogéa