39° Congresso Brasileiro de Urologia

Dados do Trabalho


Título

CELULAS TRONCO MESENQUIMAIS, DERIVADAS DE TECIDO ADIPOSO REVERTEM HIPOATIVIDADE DETRUSORA

Introdução e Objetivo

A bexiga hipoativa é caracterizada por fluxo urinário lento, hesitação e esforço para urinar, com ou sem sensação de esvaziamento incompleto da bexiga e residuo miccional elevado. A hipoatividade detrusora caracteriza-se por baixa pressão ou contração curta do detrusor associado a baixo fluxo urinário.A hipoatividade detrusora (HD) é uma doença que pode causar insuficiência renal e não possui tratamento curativo. 

Dentro os fatores de complicação citam-se os altos resíduos pós-miccionais, infecçoes urinaria de repetição, formação de calculos de via urinária e até insuficiencia renal aguda que pode evoluir para doença renal cronica. A presente pesquisa avaliou os efeitos da terapia celular (TC), com células-tronco mesenquimais do tecido adiposo (CTMta), no tratamento da hipoatividade detrusora em homens.

 https://doi.org/10.1186/s13287-023-03294-8

Método

O teste clínico aberto foi realizado no Hospital Universitária Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP) com aprovação do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e Comitê de Ética em Pesquisa de Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CEP/CONEP) sob o n° 2.745.746. O estudo foi realizado conforme a Resolução nº 466 do Conselho Nacional da Saúde (Brasil, 2012). Com registro no ISRCTN 23909398 e no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos - REBEC - RBR-10bk2qbb

Foram avaliados 9 pacientes com diagnóstico de hipoatividade detrusora. Os pacientes foram submetidos a dois transplantes, com 2 x 106 células/transplante, por meio de uretrocistoscopia. O transplante foi realizado por injeção intravesical em cinco pontos do corpo da bexiga acima do trígono vesical.

Resultados

Os dados do estudo urodinâmicos foram usados para descrever a eficácia do tratamento. Os dados analisados incluem o volume urinado, o resíduo, fluxo máximo, fluxo médio, pressão detrusora mäxima e a eficiência de esvaziamento miccional antes e depois do tratamento com TC. O cálculo foi feito usando a seguinte fórmula: Eficiência de esvazeamento miccional = (Volume urinado / (Volume urinado + Residuo)) x 100%.

Os resultados demonstram que a terapia celular aumentou (p < 0,05) o fluxo máximo, o fluxo médio e volume urinado e reduziu (p < 0,05) o volume residual no exame de urofluxometria. Observou-se ainda aumento (p < 0,05) do fluxo máximo, da pressão detrusora máxima, do volume urinário e do índice de contratilidade vesical no estudo de fluxo pressão. O escore do Internacional Consultation on Incontinence Questionare reduziu de 11,44 ± 1,43 para 3,78 ± 0,78, após a terapia celular, o que indica melhora na qualidade de vida e retorno às atividades diárias. Os pacientes tiveram follow-up de 6 meses após a TC não apresentaram intercorrências. Todos os pacientes faziam diariamente cerca de cinco cateterismo intermitente limpo. Após, a TC, 7/9 pacientes (77,78%) não necessitaram de procedimento e para 2/9 (22,28%) houve a redução de dois cateterismos/dia

O escore obtido no ICIQ-SF (International Consultatiion on Incontinence Questionaire – Short-Form) diminuiu (p < 0,05) se comparados os pacientes antes e após 6 meses e 12 meses do transplante de CTM. O ICIQ-SF médio inicial, antes da TC, era 11,44 ± 1,43. Após 6 meses do transplante de CTM passou a  3,77 ± 0,80 e após 12 meses atingiu 2,44 ± 0,56  (Figura 5).

Conclusão

.A HD é uma doença que ainda não possui tratamento padrão-ouro na medicina convencional. Nós demonstramos que a TC, com CTMta, pode tratar essa doença eficientemente visto que ela foi capaz de aumentar o fluxo máximo, o fluxo médio e o volume urinado bem como reduzir o volume residual no exame de urofluxometria, além de melhorar a eficiência do esvaziamento miccional. A TC ainda foi capaz de aumentar o fluxo máximo, a pressão detrusora máxima, o volume urinado e o BCI no estudo fluxo pressão. Esse é o primeiro relato que demonstra que o transplante de CTMta pode trazer esses benefícios para pacientes com diagnóstico de HD.

A literatura consultada possui apenas um relato de caso e um estudo do tratamento de bexiga hipoativa com célula-tronco. Esses dados foram produzidos pelo mesmo grupo de pesquisa (Levanovich et al., 2015; Gilleran et al., 2021). O relato de caso foi realizado com apenas um paciente e as células-tronco tinham origem muscular. Os resultados indicaram redução da capacidade cistométrica e o paciente adquiriu a capacidade de urinar pequenos volumes. Mas, o paciente permaneceu dependente de cateterismo sendo o acompanhamento feito até um ano após o transplante. O segundo estudo, que utilizou células derivadas do músculo autólogo, relata uma melhora em 83% dos pacientes estudados, embora apenas 69% deixaram de fazer uso do cateter intermitente. Além disso, nos dois estudos a terapêutica foi considerada segura visto que não houve nenhum efeito adverso incluindo ausência de hematúria, urgências urológicas e infecções (Levanovich et al., 2015; Gilleran et al., 2021). Ainda sobre esses estudos é importante relatar que apesar de serem produzidos pelo mesmo grupo de pesquisadores não há uma padronização na nomenclatura do tipo de célula que foi usada. No entanto, nos dois estudos as células foram adquiridas da empresa Cook MyoSite. No site da referida empresa a célula é descrita como mioblasto de músculo esquelético humano (Human Skeletal Muscle Myoblasts). Mas em outros locais o site também descreve as células como células musculares humanas primárias não diferenciadas, semelhantes a mioblastos (myoblast-like, non-differentiated primary human muscle cells), de um único doador (Cook, 2022). Diante do exposto, ainda permanece a dúvida de qual o nível de diferenciação a célula utilizada estava. No entanto, supõem-se que sejam células de origem mesenquimal. Mas, que já está comprometidas com rota de diferenciação muscular.  

A presente pesquisa utilizou o tecido adiposo como fonte para extração de células-tronco mesenquimais. Essa é uma fonte de fácil acesso e que possui um maior pool de células-tronco (MAZINI et al., 2019) o que facilita a extração, o isolamento e a produção da quantidade de células desejáveis para o transplante. Além disso, utilizamos dois transplantes, com intervalo de 30 dias, com 2 x 106 células/transplante. Diferentemente, Levanovich et al. (2015) utilizou 250 x 106 células em transplante único. Já Gilleran et al. (2021) utilizou 125 x 106 no primeiro transplante e em alguns casos um segundo transplante de 125 X106, após 8 meses da primeira aplicação. Os nossos resultados foram muito satisfatórios o que sugere que a quantidade de células usada e o espaço de tempo entre os dois transplantes foi adequado e devem ser considerados em outros estudos que validarão essa terapia. Salientamos ainda que a quantidade de células utilizadas nesse estudo é bem menor do que foi proposto por Levanovich et al. (2015) e Gilleran et al. (2021). Nos utilizamos 62,5x menos células do que os outros autores e obtivemos resultados superiores. Nós acreditamos que a superioridade dos nossos resultados se deve ao fato de termos utilizamos células-tronco mesenquimais que são células multipotentes (KALRA; TOMAR, 2014; WAGERS; WEISSMAN, 2004). Já Levanovich et al. (2015) e Gilleran et al. (2021) utilizaram células de origem mesenquimais. Mas, que já estavam comprometidas com a rota de diferenciação muscular. Portanto, células unipotentes (ARCHACKA et al., 2021; ORBAY; TOBITA; MIZUNO, 2012). Essas células possuem capacidade de produzir fatores de crescimento específicos para a produção de células musculares. As células satélites que geralmente estão quiescentes, entre o sarcolema da miofrila e a lâmina basal são estimuladas à proliferação e diferenciação em mioblastos. Além disso, essa células unipotentes ainda podem se integrar ao tecido fazendo transdiferenciação (ARCHACKA et al., 2021). Essas duas vias podem levar à regeneração tecidual. As CTM, por sua vez, podem fazer regeneração por transdiferenciação, ou seja, aderem ao tecido lesionado e se diferenciam nas células daquele órgão (Little et al., 2018) (no caso a bexiga). Esse fato pode ocorrer porque o próprio tecido lesionado produz fatores de crescimento e fatores diferenciadores que induzem as CTM a se transformarem no tecido do órgão que necessita da regeneração (LIU et al., 2016). Outro efeito importante, e que suplanta a capacidade das células derivadas do músculo (utilizadas pelos outros estudos), é a ação parácrina. Essa se dá quando as CTM migram até o local da lesão e produzem fatores reparadores endógenos, fatores anti-inflamatórios e antiapoptóticos que auxiliam na recuperação do órgão/tecido lesionado. Porém, sem se integrarem à matriz tecidual do órgão lesionado (LIU et al., 2016).

Outro fato que chama atenção na comparação do nosso estudo com o de Gilleran et al. (2021) é o número de pacientes avaliados. Nosso estudo iniciou-se e terminou com nove pacientes. Já o estudo Gilleran et al. (2021) iniciou-se com vinte pacientes e terminou com nove. No artigo, não há relato sobre o real motivo da desistência dos pacientes em participar da pesquisa. Essa informação seria de grande importância para validar os resultados apresentados. No nosso estudo tivemos a permanência de 100% dos pacientes no protocolo porque os resultados eram significativos no dia a dia do paciente e, portanto, eles estavam motivados a continuar o tratamento. Outro fato a considerar que Gilleran et al. (2021), ao final do estudo, teve apenas um paciente com eficiência de esvaziamento miccional acima de 80%, três pacientes entre 40 e 60% e cinco pacientes abaixo de 20%. Os nossos resultados apresentam eficiência superior visto que oito pacientes apresentaram eficiência de esvaziamento miccional superior a 85% e apenas um paciente ficou entre 40 e 60%. Esses fatos nos permitem considerar que a quantidade de células não foi um fator preponderante para a obtenção dos resultados visto que usamos uma menor quantidade (62,5x menos células). No entanto, o tipo celular (como discutido no parágrafo anterior), o tempo, o intervalo entre os dois transplantes, podem ser importantes diferenciais visto que aumentamos a eficiência da TC nessas condições. A redução do número de células transplantadas é um fator crucial para reduzir os custos do tratamento e, portanto, precisa ser considerado. Outro fato importante é a fonte das células. Nossos resultados foram superiores com células derivadas do tecido adiposo. Diante, do exposto sugerimos que a melhor fonte sejam as células-tronco mesenquimais do tecido adiposo, mesmo observando todas as diferenças de delineamento experimental, e que o tempo entre os transplantes deva ser de 30 dias e não os 8 meses propostos por Gilleran et al. (2021).

Destacamos ainda que nossos pacientes foram acompanhados por 12 meses e não apresentaram efeitos adversos e nem a ocorrência de hematúrias, urgências miccionais e/ou infecção. Assim, consideramos a terapêutica segura o que é corroborado por Levanovich et al. (2015). No entanto, em média, a capacidade cistométrica máxima não reduziu após a terapia celular. Segundo Levanovich et al. (2015) a capacidade cistométrica máxima reduz após a terapia. Nossos resultados indicam que esse fato só ocorreu em 55,55% dos pacientes. Assim, sugerimos que esse parâmetro não é o mais adequado para se avaliar o efeito da terapia na hipoatividade detrusora. Nós destacamos ainda que são parâmetros importantes o aumento do fluxo máximo, do fluxo médio e do volume urinado que ocorreu em 88,89% dos pacientes no exame de urofluxometria. Porém é ainda mais importante a redução do volume residual que ocorreu em 100% dos pacientes. Destacamos ainda que 77,78% dos pacientes após a teria apresentavam resíduo < 50 mL o que é considerado normal (D'ANCONA et al., 2019). Apenas dois pacientes permaneceram com resíduo maior do que > 50 mL. No entanto, esses dois pacientes apresentaram importante redução da ordem de 56 e 79%. Um dos pacientes possui volume residual de 1.800 mL e após a terapia o volume passou a 800 mL. O outro possuía volume residual de 360 mL e passou a 80 mL. Esses valores são expressivos mesmos os pacientes não tendo atingido os parâmetros normais.

Sugerimos ainda que os parâmetros, obtidos no estudo de fluxo pressão, de fluxo máximo, volume urinário, pressão máxima detrusora e BCI sejam importantes para avaliar os efeitos da terapia celular. Em nossos pacientes todos esses valores foram aumentados em 100, 100, 88,89 e 100% dos pacientes, respectivamente, o que confirma o efeito da terapia.

Esses resultados quantitativos são corroborados pela redução de 67,54% do escore do ICIQ-SF após 6 meses de avaliação e de 78,60% após 12 meses. Esse é um importante questionário de qualidade de vida condição-específico para incontinência urinária (Avery; Donavan; Abrams, 2001). O alto escore antes da terapia celular, somado aos relatos dos pacientes, demonstravam que eles não possuíam a qualidade de vida desejada e que inclusive limitavam suas rotinas devido à disfunção miccional. Após a terapia celular todos os pacientes relataram melhora significativa em sua qualidade de vida e inclusive retornaram às atividades de rotina que estavam interrompidas.

Todos os pacientes mantiveram acompanhamento clínico com consultas clínicas periódicas, realização de diário miccional e exames laboratoriais. Em nenhum momento, nenhum paciente relatou nenhuma intercorrência e mesmo após 12 meses da TC, 77,78% dos pacientes não fazem mais uso de cateterismo intermitente limpo e 22,22% passaram de cinco para dois cateterismos diários. Os exames bioquímicos não indicam nenhuma alteração da função renal (dados não mostrados).

 

 https://doi.org/10.1186/s13287-023-03294-8

Área

Disfunções Miccionais: IU / Urologia Feminina / Uroneurologia / Urodinâmica

Instituições

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Mato Grosso do Sul - Brasil

Autores

Henrique Rodrigues Scherer Coelho, SILVIA CORDEIRO DAS NEVES, JOVINO NOGUEIRA DA SILVA MENEZES, ANDREIA CONCEIÇAO MILAN BROCHADO ANTONIOLLI-SILVA, RODRIGO JULIANO OLIVEIRA